Feminista por natureza, Andrea Bowers usa a arte para tocar em feridas como feminicídio, racismo, desigualdades, mudanças climáticas e tudo o que está debaixo do tapete por Danniel Rangel, de Milão

ANDREA BOWERS USA SUA arte para questionar o status quo da sociedade patriarcal. Festejada em duas grandes exposições no prestigioso Hammer Museum, em Los Angeles, e na Furla Foundation, em Milão, a americana escancara mazelas em seus trabalhos sem medo. Acrescente às obras muito talento e cor. Em nosso último jantar, na Itália, em setembro passado, ela estava super animada com sua nova exposição em Milão. No vaivém das conversas, a artista nascida no estado americano de Ohio, em 1965, versava sobre família, pandemia e seus trabalhos em vídeo. Além de artistas que abriram o caminho para sua trajetória como Barbara T. Smith e Simone Forti. Nesse bate-bola, fomos parar no início do século passado com as artistas russas Marevna e Marie Vassilieff e as dadaístas Suzanne Duchamp e Hannah Höch. Mais do que um jantar, a noite foi de questionamentos sobre o futuro tão incerto da humanidade, que muda a cada século e milênio, tentando se agarrar nos valores do passado e com o medo dessa imensidão de possibilidades à nossa frente. Mas a palavra responsabilidade se destacava mais do que nunca. Afinal, isso é arte!

Política, guerra e destruição ambiental depois de uma pandemia de proporções globais dominaram a conversa entre um gole e outro de vinho tinto. Conheci Andrea em uma de suas exposições, alguns anos atrás, em Milão, logo após a eleição de Donald Trump, na qual denunciava – através se seus trabalhos em néon – as palavras retiradas do dicionário do então presidente dos Estados Unidos. Criticava, em leques coloridos, as frases machistas proferidas pelo republicano, tais como “dead man don’t grab pussy”, ou por meio da série de pinturas Migration is Beautiful, que dá forma a uma borboleta. E até mesmo em Puta Feminista, com uma antiga imagem usada nos Estados Unidos de quando as mulherem clamavam pelo direito ao voto.

Há poucos meses, na galeria Kauffmann Repetto, em Milão, ela questionava mais uma vez sobre o desmatamento das florestas e a preservação do meio ambiente, mostrando que não podemos ignorar o que está acontecendo em nosso planeta. Entre as obras, galhos de árvores secos em bronze e néon, além de aquarelas com documentos com direitos da natureza no Equador. Chama a atenção para a proteção das florestas, rios e animais. E para a igualdade de tudo e todos: uma pintura em cardboard, representando a árvore da vida, com influência renascentista com todas as raças e gêneros.

No Hammer, como já era esperado, mostrou na retrospectiva a importância entre arte e ativismo, visando a busca por um mundo mais justo: com direitos de trabalho mais justos, tolerância a imigraçao, gênero e especialmente mudanças climáticas. Ocupando vários salões do museu, ela usou diferentes mídias, desde pintura, performance e vídeo até instalações e esculturas em néon. Mais de 60 obras mostram a trajetória de mais de 20 anos de trabalho, ampliando sua prática em todas as mídias durante todos este anos.

Na Fondazione Furla e Gam em Milão, sob o título Moving in Space Without Asking Permission, ela vai fundo em temas como feminismo – principalmente na Itália, com o trabalho da ativista e filósofa Alessandra Chiricosta, que estuda artes marciais e o conhecimento do próprio corpo e sua anatomia através dele, oferecendo uma quebra entre os estereótipos de gênero. E, também, examina a emancipação feminina italiana na virada do século 20, tema que toma mais de cinco espaços da fundação e museu, com um só intuito: revelar a todos “A Feminist Combative Self Awareness” (uma autoconsciência combativa feminista, em tradução livre). Tema que está nos livros da filósofa e na força dos trabalhos de Andrea. “Como a arte pode estimular reflexões e, também, trazer ao nosso conhecimento os assuntos atuais e urgentes”, comenta a artista. Mostrando que não existe mais volta quando a arte assume papel político para construir um futuro mais igual, está na hora de virarmos a página e andarmos em direção a um futuro com mais consciência, respeito e menos ganância, mais empatia e amor ao próximo. Sem esquecer de reverenciar e respeitar nossa mãe maior: a natureza. O que estamos esperando para entrar nesse futuro?

No alto, da esquerda para a direita, no sentido horário, a obra We Are Part of Nature… Not Outside of It. What We Do to the Earth, We Do to Ourselves (2022), Andrea Bowers, instalações We are 11 million, em Nova York, e disrupting and resisting, ambas de 2018.
Matéria originalmente publicada na revista Radar Bazaar