Uma das pioneiras da arte digital, Lynn Hershman Leeson usa a tecnologia como instrumento desde os anos 1960 – e sofreu, lá atrás, a resistência de museus e instituições. Hoje, é aclamada!
Sempre fui fascinado pelos artistas da famosa Bay Area, em São Francisco, nos Estados Unidos. De alguma forma, eles tinham uma relação direta com o Dadaísmo e o Surrealismo francês, explorando poesia, pintura, filmes, performances, ideias e liberdade. Quando descobri o trabalho de Lynn Hershman Leeson, fiquei impressionado com a intensidade, força e intimidade que ela mostrava em suas obras, e como ela usava as mídias de todas as épocas, desde os anos 1960, para usar sua voz na arte. Principalmente como uma artista naquele momento. Algumas vezes, tentando impor a maneira como ela deveria se expressar, e vendo abafarem a sua arte – o que só serviu como combustível para seus trabalhos.
Seus traços e desenhos são, ao mesmo tempo, de uma vulneralibidade e tamanha força…daquela que é revelada em todos nós, seres humanos, em algum momento de nossas vidas. Lynn sempre acreditou no novo e na época em que vive, e usou e abusou de todas as mídias para dar vazão à sua arte.
O primeiro exemplo são as Beathing Machines, que ela apresentou em Berkeley, no final dos anos 1960, com um conjunto de desenhos. A exposição foi tão polêmica que, após três dias, foi encerrada. Como era possível uma artista apresentar esculturas em cera, com seu rosto, que falavam e respiravam? A ideia de Lynn era despertar em nós mesmos o quanto é importante o silêncio e saber ouvir a si próprio.
Outro de seus trabalhos, nos anos 1970, foi Roberta, um avatar criado por Lynn com casa, conta bancária, recibos de mercados, lojas, alugueis bem documentados. Isso tudo em um período pré-Cindy Sherman e também décadas antes de Second Life e, mais recentemente, do metaverso, em que tudo é possível virtualmente.
Uma esponja, Lynn absorve tudo à sua volta: seu cotidiano, os lugares em que vive. Isso é mostrado em um dos seus trabalhos, que expõe os mesmos elementos de Alfred Hitchcock em Vertigo, filmado em São Francisco, sua cidade natal, bem como em suas colaborações com a musa do filme Orlando, Tilda Swinton, que encarna o gênero que nossos olhos enxergam, não o que realmente é.
Ano passado, sua exposição durante a epidemia de Covid-19, no New Museum, em Nova York, foi um sucesso. Ao telefone, ela me contou: “Ainda tenho muito a revelar”. E eu não tenho dúvidas disso. Uma das estrelas da Bienal de Veneza de 2022, Lynn não deixou por menos. Aos 81 anos, aquela era a primeira Bienal de Veneza da qual participava e não foi à toa que deixou sua marca como esperado. Ganhou a menção especial do júri “por indexar preocupações cibernéticas por meio de exibições de forma iluminadora e poderosa, que inclui momentos visionários sobre a influência da tecnologia em nossas vidas.” O seu talento prevaleceu, como sempre deveria ter sido, no mundo da arte.
Para este ano e para o ano que vem, estão previstas várias exposições suas na Califórnia e na Alemanha, provando que Lynn Hersmann Lesson se mantém uber ativa, lançando, inclusive, NFTs, entre outros projetos. “Além de passar meu tempo entre Nova York e São Francisco, tenho muito acesso às novas tecnologias. Não vivo longe do Vale do Silício, onde tudo acontece, e isso é inegável.” Para ela, no fundo, tudo começa na ideia, se tranfere para o desenhos e, com seu imenso talento, o céu é o limite. Como o titulo da Bienal da Veneza deste ano, The Milk of Dreams, menção ao livro da surrealista Leonora Carrington, acredito que seja apenas o começo para esta artista incansável, inteligente e que nos convida a viver na realidade e na nossa época, mas sem deixar de sonhar.
Matéria originalmente publicada na revista Radar Bazaar Foto Gregory Carideo